À primeira vista, parece uma casa comum, como as demais do bairro. Porém, poucos sabem que na residência da Rua Antônio Ivo, 290, no Henrique Jorge, morou a célebre escritora cearense Rachel de Queiroz. E, mais, que nela a cearense escreveu sua obra-prima "O Quinze".



     A simples edificação com o telhado desgastado, de cor verde e rodeada por árvores, diferencia-se das outras e ganha de vez reconhecimento da sua importância para a história e memória do Estado. Afinal, no último dia 22 de outubro, a Prefeitura de Fortaleza publicou, no Diário Oficial do Município, o tombamento definitivo da casa.

     "Fica tombado, em caráter definitivo, o imóvel localizado na Rua Antônio Ivo, nº 290, Bairro Henrique Jorge, denominado Casa da Raquel de Queiroz, haja vista o seu alto valor histórico, cultural e simbólico, portador de inelutável referência à identidade e à memória da sociedade fortalezense", consta o artigo 1º do documento, que oficializa o decreto de número 12.582/2009 de 15 de outubro.

     Conhecida popularmente como Casa da Rachel de Queiroz, o antigo Sítio Pici ou Casa dos Benjamins, abrigou a família Queiroz, a partir de 1927. No local, há notícias de que a escritora cearense escreveu, aos 20 anos, seu primeiro romance regionalista e obra-prima "O Quinze", em 1930. Além de, como descreve a escritora Socorro Acioli no livro "Raquel de Queiroz", foi o local onde a autora de "O Quinze" também se casou com José Auto, em 1932, e teve sua filha Clotildinha, no ano seguinte, que veio a falecer dois anos depois, 1935.

     "Esse tombamento é importante porque Rachel é uma das principais representantes da literatura brasileira. Ela é uma grande escritora, mas que o Ceará ainda deve muito. Ainda não há estudos necessários, não existe um memorial. Fortaleza não sabe bem preservar sua história. No entanto, o tombamento já é um começo", avalia a professora da Universidade Estadual do Ceará, Cleudeni de Oliveira Aragão, doutora em Literatura.

     Entretanto, como indica o documento que baseou o processo pelo Prefeitura "Instrução de tombamento municipal para a casa Rachel de Queiroz", realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC); prefeitura e Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), a casa precisa de reparos. Até porque, segundo reforçam os moradores das proximidades, como a educadora popular Lúcia Vasconcelos, 56, e o pedagogo Leonardo Sampaio, 57, o local, há algumas décadas, abriga três famílias e está cada vez mais deteriorada.

     "Atualmente, três famílias habitam a antiga casa, tendo cada uma efetuado intervenções segundo as suas necessidades, e desta forma, alterando completamente a concepção original da edificação. Afora isso, a edificação se encontra em péssimo estado de conservação, sem qualquer tipo de manutenção realizada nas últimas décadas", identifica o "Instrução de tombamento municipal para a casa Rachel de Queiroz".

     Conforme o morador Leonardo Sampaio, integrante da Associação de Organizadores Sociais e Serviço (Amora), que desde 1983 luta pelo tombamento da residência, no final da década de 1970 o sítio foi loteado. Entretanto, a casa permaneceu e, pelo que se sabe, um funcionário da imobiliária responsável permaneceu e começou a dividi-la com a família.

     "Ainda tem famílias morando. Era uma que foi crescendo e dividindo o espaço com os filhos, netos. A casa está desprovida de cuidados e está no espaço bem menor do que era. Ficou praticamente só a casa e está bastante deteriorada. Lutamos pela preservação das três árvores de benjamins e que lá seja construído um espaço cultural. Há essa necessidade de lazer para o bairro. Como ainda resta verde, queríamos preservá-lo", complementa Lúcia Vasconcelos, que compõe o Espaço Cultural Tito de Alencar (Escuta), que também lutava pelo tombamento da casa.

     Além disso, Lúcia também antecipou que é interesse do movimento que o bairro, hoje conhecido por Jóquei Clube, volte a ser chamado de Daniel Queiroz, pai da autora de "O Quinze". "A ideia é resgatar a história, até mesmo porque o jóquei que deu nome ao bairro não existe mais", justificou.

     Procurada pela reportagem, a Coordenação de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) confirmou o tombamento da residência. Porém, de acordo com o setor, o uso do espaço pelas famílias que lá vivem ainda está em fase de negociação. A reportagem também tentou entrar em contato com a sede do Iphan em Fortaleza, mas ninguém atendeu às ligações.

Fique por dentro

Histórias de vida

Adquirido pelo pai da escritora cearense, Daniel de Queiroz, em 1927, para facilitar o acesso dos filhos aos estudos, o Sítio Pici ficava perto da lagoa da Parangaba, que, nesse tempo, pronunciava-se "Porangaba", e também do Rio Pici ou "Picy". Pertenceu à família do padre Rodolfo Ferreira Gomes e foi vendido depois a um industrial, José Guedes, de quem Daniel comprou o imóvel e fez uma nova casa para atender às suas necessidades. Assim, Rachel de Queiroz ingressa no curso Normal do Colégio Imaculada Conceição, aos dez anos, e, tempo depois, ajuda seu irmão Flávio no exame de admissão do Colégio Militar. No local, ela escreve o livre "O Quinze", aos 20 anos de idade, casou-se com José Auto, em 1932, teve sua filha Clotildinha (1933), que faleceu dois anos depois, 1935

PROTAGONISTA
Literatura

Rachel de Queiroz

Romancista, professora e cronista, Rachel de Queiroz nasceu na Capital cearense, no dia 17 de novembro de 1910. Filha de intelectuais, despertou paixão pelas letras desde pequena. Aos cinco anos, já se arriscava a ler algumas páginas de "Ubirajara", de José de Alencar. Em 1930, projetou-se como escritora ao publicar "O Quinze", romance de cunho social, que explora o drama da seca. Reconhecida pelos belos textos e temáticas sociais que abordava, Rachel foi a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras. Morreu no Rio de Janeiro, em 4 de novembro do ano de 2003

JANINE MAIA
Diário do Nordeste

Extraído do site: www.bairroellery.com.br