|
Autor:
Marcos Antônio Silva
|
CEARÁ
MESTIÇO E O MITO DO FUNDADOR
Em
¨Evolução Histórico
Cearense¨ o Historiador Raimundo Batista
Girão oferece as explicações
precisas e acumuladas,o relato de uma historiografia
local, carregada de um positivismo dito ¨cientifico¨para
a época da fundação do
estado do Ceará.
Aos
dezoito anos de idade,Martim Soares Moreno veio
para Pernambuco numa comitiva de então
Governador Diogo Botelho,aportado ali em abril
de 1602.Logo que chegou,seu tio,Diogo de Campos
Moreno,o engajou na Bandeira de Pêro Coelho,para
a aventura da Siará,hoje conhecido como
Ceará.Foi servindo de soldado,como declara,todo
recebido com muitas feridas,como todos da caravana.
Voltou
a Olinda com relativo domínio da língua
dos índios e a amizade de alguns deles.Uma
destas amizades seria determinante na sua vida,a
que manteve como o índio Jacaúna,um
índio muito bom.
Seguro
das cordialidades,deixadas na expressão
de Girão volta ao Ceará,tendo
como companheiro apenas dois homens do Fortim,e
procura Jacaúna.branco e Inndio resolvem
fazer ¨petitório¨ao já
Governador Geral,Diogo Menezes de Siqueira,na
Bahia.
Nesse
ponto,a história de Girão e a
lenda escritor José de Alencar se mostram.Conta
ainda Girão que Diogo Meneses sempre
se manifestara a favor da conquista das terras,não
pelas armas e,sim,por ¨invenção
e manha¨.O ¨gentio --dizia o Governador¨
--se defender de nós,fazendo que a falta
das coisas nos desbaratasse; fosse moderada
a força para não espantá-los.
Reconhecendo
o valor e as boas intenções de
Martim,o Governador atende a petição
dos índios e os envia ¨negociando
de todas as coisas necessárias¨,
encarregando-os de ¨comércio por
terra com os naturais do Maranhão para
se fazer aquela conquista, dando de tudo parte
ao Conselho das Índias.Muito bem recebido,em
poucos dias.Martim levantou igrejas e,com os
retábulos que levava,se disse missa.E
fizeram-se muitos índios cristãos.
Ao
finalizar seu relato de Fundação
do Ceará,nosso historiador Raimundo Batista
Girão,assim como José de Alencar,entrelaça
histórias e mito:Soares Morenoé
fundador do Ceará,título em que
a posteridade o louvou. O seu nome revive na
alma cearense,através da figura cavalheiresca
do guerreiro branco apaixonado e forte,a quebrar
a ¨flecha da paz¨com a Iracema selvagem,a
¨virgem dos lábios de mel¨,nos
enleios de cujo sorriso,¨mais doce quo o
favo da jati¨,se conjuram,num simbolismo,na
genial concepção de José
de Alencar.
O
que ¨Iracema¨e a história do
Ceará contada neste artigo,tem em comum
é de fato este grande mito fundador que
nunca escapa:ele serve para reafirmar a utopia
que se firma de felicidade natural e infinita
que só poderia existir nos trópicos,e
o determinismo racional,que exalta a superioridade
da raça branca.
Esta
fábula literária-histórico
da fundação do estado do Ceará
é importante,porque permite identificar
características especificas do nosso
imaginário.
Ao
contrário do que se ocorre no Brasil,com
sua fábula do paráiso racial,no
Ceará a fabulação racial
só incorporou duas raças:o índio
e o português (branco). Que estes dois
elementos tenham sido determinante,é
óbvio.Mais a grande importância
que têm estas duas raças em relação
á negra,na própria fábula
da nossa fundação,que é
Iracema,mereça estudos mais detalhados.
Esta
reduzida importância de elemento negro
encontra explicações nas bases
materiais de nossa colonização.
Afinal,não tivemos uma economia do açúcar,tampouco
do ouro.O ¨outro Nordeste¨,do qual o
Ceará é expressão mais
clara,se desenvolveu a base da pecuária
e do algodão,tendo, portanto,prescindido
da mão de obra negra intensiva.É
certo que os negros africanos tiveram uma certa
importância númerica na próvincia,como
empregados domésticos, cozinhando, assim
como nos nossos sertões,mais sempre como
uma mão-de-obra que poderia facilmente
ser substituída por mão-de obra
índigena miscigenada,este exército
de reserva que foi se criando na miséria
do semi-árido.
A
mim me parece que,para reconstituir o mito maior
da nacionalidade,que se firmou a partir do triângulo
das três raças,a historiografia
oficial cearense constituiu cuidadosamente o
mito da ¨terra da luz¨.É que,como
demonstrou Roberto da Matta,essa triangulação
étnica,pela qual se armo geometricamente
a fábula das três raças,tornou-se
uma ideologia dominante, abrangente capaz de
permear a visão do povo,dos intelectuais,dos
políticos e dos acadêmicos de esquerda
e de direita,uns e outros gritando pela mestiçagem
e utilizando-se do ¨branco¨,do ¨negro¨e
do ¨índio¨com as unidades básicas
através das quais se realiza e exploração
ou a redenção das massas .Se assim
não fosse,sem participar deste mito intacto,o
Ceará não estaria integrado ao
Brasil.
O
que parece ter ocorrido,no caso cearense,foi
que a partir da pesquisa e da documentação,característico
do período romântico a que pertencem,Alencar
criou o mito fundador como expressão
de uma certa melancolia, onde ¨a realidade
do mundo selvagem é encerrada em uma
rede de negações que expressam
tanto o desenvolvimento da civilização
quanto o seu elogia ³ .
Ora,esta
era a história do Brasil vista sob um
prisma extremamente reacionárias;uma
história onde os traços biológicos
das duas raças seriam a priori enfatizados
e determinariam que uma delas ( a mais forte
como insistem alguns autores da época
) seria vitoriosa no seu processo civilizatório,e
a outra condenada a miscigenação,forma
velada de extinção.
Esta
é também uma história que
enxergava os índios vivendo um tempo
zero.Na melhor das hipóteses estariam
na´pré-história,antes da
chegada dos espanhois,portugueses e outros extrangeiros,vivendo
num tempo situado antes do nosso mundo social.Sob
este prisma,só apartir da chegada de
Soares Morenoé começaria o tempo
da soceidade,da cultura,da história e
do tempo zero no Brasil.
Eis
que o mito da ¨terra da luz¨coloca o
Ceará como terra da liberdade e vem restabelecer
a harmonia entre as três raças,harmonia
traçada para todo o País.Vem curar
a ferida do que seria recito a fabulação
de uma realidade social onde negros e índios
se situavam em pólos inferiores,como
modelo americano de colonização.
Em
sitese,minha hipótese é que a
força e a durabilidade com que os rituais
de celebração deste mito vêm
sendo realizado visam restabelecer a harmonia,ao
repor o Ceará num recorte social mais
amplo: o da nacionalidade.
Marcos
Antonio Silva
Coordenador do GAPA e colunista do site do
bairro Antônio Bezerra.
marcos.silva.social@gmail.com
Comente
esse artigo
Untitled Document
|