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Autor:
Pe. Almir Magalhães
Sacerdote e Pedagogo |
“E
NÃO HAVIA NECESSITADOS ENTRE ELES”
(At. 4,34)
Certamente
esta é uma citação bastante
conhecida dos leitores. Trata-se de uma expressão
da comunidade primitiva, que retrata o ideal
de toda comunidade cristã autêntica
para quaisquer épocas, portanto, com
conotação de normatividade, ou
seja, referida prática passa a ser uma
exigência, inspiração e
característica para se construir toda
comunidade eclesial posterior. (Cf. At.2, 42-47
e 4, 32-37).
Qual o significado
desta referência para nós hoje,
no mundo do individualismo, no mundo em que
o modelo econômico, na sua essência,
gera exclusão social e, desta forma,
a existência não só da pobreza,
mas de sua expressão maior que é
a miséria? A prática e o ideal
da comunidade primitiva, portanto, da mais autêntica
tradição da Igreja, tem algo a
dizer para nós hoje que vivemos numa
situação contraditória,
pois de um lado poucos privilegiados têm
acesso aos bens modernos produzidos e uma multidão
não tem acesso ao essencial para uma
vida digna, e passa as maiores necessidades,
sobretudo a fome e sobrevivendo com o mínimo
de condições higiênicas
nos lugares onde moram.
Para
o cristão, existem duas saídas,
concomitantes e resultado de uma espiritualidade:
a primeira se dá através de gestos
de solidariedade, de despojamento, do que se
está acumulando indevidamente em casa.
É comum hoje na pastoral se falar em
visitas que têm tido objetivos que não
levam a marca da gratuidade, mas de procurar
saber quem não é batizado, quem
não é casado, de crianças
que ainda não fizeram a primeira comunhão,
como também de recuperar os afastados.
Estes objetivos são válidos depois
de uma dinâmica e de um processo que vão
criando laços com as famílias.
Este momento é de gratuidade, de conhecimento,
de partilha e é também uma oportunidade
de se identificar situações graves
pelas quais passam estas famílias para,
em seguida, socializar com outros grupos estes
problemas e dar encaminhamentos.
Temos
uma prática de partilha que fica muito
no emergencial, no assistencialismo, às
vezes necessários, mas corremos o risco
de nos tornamos cúmplices da perpetuação
da miséria e das desigualdades sociais.
A segunda saída é de ordem política
e decorre da dimensão social do Evangelho.
Revisito aqui um termo muito usado por nós
cristãos e que foi muito bem aprofundado
pelo Papa João Paulo II – trata-se
da SOLIDARIEDADE. Na Carta Encíclica
de João Paulo II Sollicitudo Rei Socialis,
de 30.12.87, no V Capítulo – Uma
leitura Teológica dos problemas modernos
(nn. 35-40), o Papa afirma: Estilo e meio de
realizar uma política que tenha em vista
o verdadeiro progresso humano é a solidariedade:
esta pede a participação ativa
e responsável de todos na vida política.
A solidariedade não é um sentimento
de vaga compaixão ou de enternecimento
superficial pelos males sofridos por tantas
pessoas, próximas ou distantes. Pelo
contrário, é a determinação
firme e perseverante de se empenhar pelo bem
comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada
um, porque todos nós somos verdadeiramente
responsáveis por todos (SRS, 38).
Neste
sentido, é impossível a realização
da justiça apenas com nossos gestos cristãos
de presença junto aos pobres e com iniciativas
assistencialistas. É fundamental, na
perspectiva da solidariedade aqui exposta, que
se pense em mudanças estruturais que
possam modificar este quadro e atente para a
dignidade das pessoas, valorizando-as. Só
com políticas públicas pode haver
a mudança e a realização
da justiça.
A questão que se põe aqui é:
como criar estas políticas públicas
se a própria estrutura macroeconômica
insiste em não investir no social? Para
nós cristãos e cidadãos,
trata-se de mudar nossa mentalidade (conversão
pastoral), não fugir como cristãos
das questões do mundo num intimismo que
depõe contra a espiritualidade eucarística.
Politicamente, isto se chama cidadania.
É necessário compreender que o
cristianismo. na sua origem, tem uma marca que
não pode ser apagada. A marca gestada
na comunidade primitiva, que não compreendia
a fé no ressuscitado havendo necessitados
entre eles.
Não
é preciso trazer aqui estatísticas
sobre a vida de nosso povo. Basta ler os jornais
e constatar onde a miséria está
estampada e de que forma.
Um trabalho pastoral belíssimo, simples,
autenticamente evangélico e metodologicamente
correto, seria a realização de
mutirões de visitas para se conhecer
in loco a realidade do povo, para se fazer um
levantamento dos grandes problemas que atingem
nossos irmãos e irmãs.
No
livro O Pequeno Príncipe, no diálogo
entre o Príncipe e a raposa, há
uma motivadora afirmação, muito
válida para nós: “Só
se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos.
Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a
fez tão importante”. Também
a sabedoria popular afirma: “aquilo que
os olhos não vêem, o coração
não sente”. Este é um caminho
para mexer com a nossa sensibilidade, no momento
tão inexpressiva. A mudança inicialmente
é muito simples, é ir ao encontro
dos outros e beber da espiritualidade eucarística.
Sair das nossas missas como enviados, como missionários.
O primeiro inevitável resultado é
a recuperação da sensibilidade
perdida.
O resto vai processualmente sendo construído.
Experimentem!
PADRE
ALMIR MAGALHÃES.
Pe.
Almir
é sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza,
Reitor do Seminário Arquidiocesano São
José (Filosofia), e colunista do site
do bairro Antônio Bezerra.
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